- A atriz, como Créssida: personagem feminista (Foto: Priscila Prade)
— meu Deus, como eu tô velho! — incontáveis vezes sentei para conversar com atrizes sobre assuntos como beleza, moda, desafios de conciliar maternidade e carreira. Com Maria Fernanda Cândido, 42 anos, . Por que não tentar outra abordagem? Assim nos sentamos em uma das salas da Casa do Saber, escola de cursos livres da qual é sócia, tendo como gancho para o papo a estreia de 'Tróilo e Créssida', espetáculo teatral de que ela é parte, dirigido por Jô Soares, em cartaz em São Paulo.
Essas entrevistas aqui do blog são compridas mesmo, e eu acho que precisamos desse respiro. Minha visão é que quem tem o que dizer merece, de fato, mais espaço. Espero que você, querido leitor, goste tanto de ler quanto eu curti sentar diante de uma das mais belas mulheres do elenco brasileiro de artistas. Que, além de linda, é interessante em muitos outros níveis. Tomara que outras aspirantes à fama se inspirem mais nela.
Que avaliação você faz do Brasil de hoje?
E o que a gente colocaria no lugar?
- Com Ricardo Gelli, que interpreta Troilo, no espetáculo de que ela faz parte atualmente (Foto: Priscila Prade)
O que acha quando dizem que brasileiro não sabe votar?
Você cogitou se lançar candidata alguma vez?
Não, de jeito nenhum.
Foi procurada por algum partido?
Mesmo que procurassem, não aceitaria.
Chegou a se declarar quanto ao impeachment?
Você votou em quem para a prefeitura de São Paulo?
Luiza Erundina. Gosto muito, admiro, acho uma candidata honesta, comprometida com aquilo em que acredita.
Existe um paralelo entre o Brasil e a sua peça atual?
Créssida é uma feminista, em algum aspecto?Feminista é uma palavra que tem uma conotação muito específica hoje. Ela era, sem dúvida, uma mulher muito incomum para seu tempo, porque ela se expressa, não aceita tão facilmente o lugar normalmente dado às mulheres naquela sociedade.
Mas isso não é exatamente a essência do feminismo? Escolher seu próprio lugar e papel no mundo?
Sim, pensando por esse lado, é verdade. É que quando você falou em feminismo já pensei no movimento mais radical, dos anos 70. De uma maneira mais abrangente, se formos falar dessa essência, então a Créssida é, sim, feminista.
Maria e o marido (muito gato, não?), o empresário Petrit Spahija (Fotos: AgNews)
É raro conversar com atrizes sobre assuntos que não sejam beleza, criação de filhos, como se dividir entre carreira e maternidade...
Você vai querer falar disso também?
Não, mas eu queria saber se atrizes não falam de outra coisa porque os jornalistas só perguntam sobre futilidades ou se a gente não pergunta porque as atrizes não têm conteúdo pra conversar.
O que posso dizer é do meu jeito de ver... Quando sento pra bater um papo e é uma abordagem mais comercial, encaro pelo perfil do veículo que vem conversar comigo. De uns tempos pra cá, minha assessoria bate bola comigo para selecionar bem com quem conversar, no sentido de sentar com quem terá demandas que eu posso atender. Às vezes o cara tem uma pauta que eu não tenho como dar conta, responder aquilo, então não é o caso de a gente se juntar. Há muito tempo eu não tinha isso e acabava entrando em contato com vários tipos de profissionais. Não tenho interesse sobre conversar muito sobre assuntos que são irrelevantes pra nossa vida, pro país, pra cultura. Prefiro focar na nossa área mesmo. Interpretação, teatro, política...
Nos EUA atrizes reclamaram que as pessoas só perguntavam que roupa elas usavam.
E como foi? Deu certo?
Fez algum barulho, sim. As pessoas começaram a variar um pouco. Mas ainda acho que os artistas têm medo de falar o que pensam e se dar mal, preferem ficar no raso pra não serem xingadas nas redes sociais.
Acho que isso existe também. É um equilíbrio difícil de conseguir, porque a gente também não sabe como o jornalista vai tratar daquela conversa toda, se vai traduzir com ética o que foi esse encontro. Já encontrei com pessoas de todos os tipos nessas ocasiões.
Ainda sobre a fama: por que o público não assimila, quando uma famosa decide que não quer mais ser famosa, como fizeram Ana Paula Arosio e Lidia Brondi?
Quando você se expõe, você acaba virando uma propriedade desse imaginário coletivo. É como se você estivesse tirando das pessoas algo que elas consideram que lhes pertence. No imaginário do público, aquela persona não é você, Ana Paula, você, Lidia, o ser humano. Na cabeça do público, você é uma outra coisa. Quando você quer se retirar, isso gera um transtorno. Aquela figura talvez pertença, mas é direito da pessoa se retirar. É um ônus da vida de artista.
Na Casa do Saber, escola da qual é sócia, durante uma leitura com Antônio Fagundes
Desde que você ficou famosa, mudou o jeito com que as pessoas se relacionam com os artistas?
Naquela época, quando comecei, aquelas novelas e personagens, era uma coisa muito calorosa. Mas lá se vão quase vinte anos, agora eu to aqui mãe, dois filhos... Hoje não estou superexposta. Nesses últimos anos esse assédio é muito tranquilo, uma coisa leve. Vejo meus colegas, os homens com as adolescentes, é puxado.
Em algum momento você se permite ser boba?
Não sei... Acho que sim.
Sei lá, tipo ver 'Chaves'.
Eu adoro ir ao karaokê. Na Liberdade.
Canta o quê?
Alguns clássicos do rock, Elba Ramalho, Clara Nunes...Tem umas que funcionam melhor pro timbre da gente. Canto pra bagunçar.
Achei que você ia dizer que era com seus filhos que você ficava boba [ela é mãe de Tomas, 10 anos, e Nicolas, 8, seus filhos com o empresário Petrit Spahija, com quem é casada desde 2005].
Não, não. Com eles não dá muito, porque... O papel da mãe, né? Nossa.
Você é a mãe disciplinadora.
Eu tento. Mas não é tão simples, né? Educar um ser humano é muita responsabilidade.
Eles te driblam fazendo carinha do Gato de Botas, do 'Shrek'?
Às vezes. Eles são muito legais, não posso reclamar. São crianças muito bacanas. É bonito você ver crescer, perceber que as coisas que você fala e martela na cabeça deles em algum momento aparecem, ficam claras em coisas pequenas. Maternidade é feita de pequenos momentos, pequenas falas. É tudo muito cotidiano. Espero que esteja sendo uma mãe bacana pra eles.
Sendo linda na noite paulistana: "Nunca falei, não falo, nem falarei mal da beleza"
Você quis ser sócia da Casa do Saber como uma forma de provar pro mundo que além de bonita, é inteligente?
Deixa eu já te contar: esse negócio de provar não está na minha lista. Eu sou uma pessoa que, enquanto o povo está falando, eu estou fazendo. Desde criança. Provar não está realmente na minha pauta. Amor, não vou provar nada. Talvez pra mim mesma. A preocupação em provar te tira do momento presente. Não posso estar aqui preocupada com o que você vai escrever, senão a conversa não acontece, não flui. Pra mim, assim é a vida.
Pergunto isso porque ouvi de muitas mulheres bonitas que elas se sentiam subestimadas por serem bonitas.
Acho que é um movimento do ser humano, na verdade. Porque a beleza é, vamos dizer assim, um talento. Você nasce com aquilo. Então ela não é democrática, concorda? Tudo bem, hoje em dia, pelo seu esforço, você consegue se tornar mais bonita. Mas a beleza enquanto talento não é. Então acho que ela não desperta nos outros um sentimento muito favorável. Por que o esforço é mais bem visto na sociedade? Porque esforçado todo mundo pode ser.
A beleza atrapalhou você em algum momento?
Ah, eu não falaria mal da beleza, não. Não atrapalha em nada. É maravilhosa! É uma coisa que abre portas. Mas também só abre: ela não vai sustentar nada depois disso. Mas abrir portas já é uma grande coisas. Só me falta agora falar mal da beleza! Não falei, não falo, não falarei. Mas você perguntou sobre a Casa do Saber.
Ah, sim, claro. Desculpe. Pode continuar.
Sempre fui boa aluna. Estudei no São Luiz, que na minha época era muito puxado, não sei como é hoje. Eu era das melhroes alunas. Gosto de estudar desde sempre. Aprender é um prazer. Gostava de química, história, biologia... Fiz USP, acho essencial a pessoa fazer uma faculdade. Depois de formada, eu organizava reuniões com amigos e um professor vinha sempre dar aula pra gente. Era o Sarau Etílico Filosófico, porque além das conversas tinha um vinho, uma coisinha pra comer... E a coisa foi crescendo. De dez aumentamos para 25 pessoas e havia cada vez mais interessados, daí surgiu a ideia de abrirmos uma escola. Assim nasceu a Casa do Saber, doze anos atrás. Ou seja, provar o que quer que fosse não era uma preocupação. As pessoas vão sempre falar, e eu acho que a gente tem que seguir em frente.
Que curso você fez na USP?
Terapia Ocupacional. O que me fez, no contato com pacientes, aprender a relativizar o que são problemas de verdade. Convivia com gente que enfrentava questões de saúde muito sérias, e isso ajuda você a dar o devido peso às coisas.
Isso impediu que você se deslumbrasse, quando foi pro horário nobre?
Não tem como não mergulhar naquele mundo. Na verdade, você está imerso quando isso acontece. Quando essa questão chega na sua vida é bastante forte. Mas eu nunca perdi a consciência do que estava acontecendo. Eu tinha uma noção daquilo tudo, desse mundo muito glamouroso, desse movimento das pessoas, da cobrança... Eu percebia, e me cuidei muito. Apesar dessa consciência, eu fiz análise. Foram alguns anos. Foi importante, foi muito rico. Consegui vivenciar, curtir, porque você não pode deixar de vivenciar as alegrias e os prazeres que estão acontecendo ali. É um equilíbrio tênue.
E escrever, você não tem vontade?
Não, não escrevo. Acho que é uma coisa tão especial. Pra escrever eu precisaria perder um pouco o pudor.
Trabalhar com o Jô Soares é uma coisa tão incrível quanto parece?
Sim. Ele realmente tem um conhecimento amplo e profundo, uma combinação que não é muito comum. Entende muito de teatro, interpretação, o que fica nítido durante o processo. É muito generoso e acolhe o que os atores levam. Sugestões que a gente leva de casa, que pensou, criou. Jeitos, trejeitos, vozes, figurinos, adereços... É muito gratificante, porque você sabe que tem um interlocutor disposto a te ouvir. Isso gera um fluxo muito produtivo pra equipe toda. Ele cria esse ambiente.
O que achou de ele sair da televisão?
É uma pena. Perde a tevê.
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